
O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, pediu vista, na última sexta-feira (19/9), dos autos do julgamento em que o Plenário discute se delegados de polícia podem pedir dados de comunicações telefônicas sem autorização judicial.
Com isso, a análise, iniciada naquele mesmo dia, voltou a ser suspensa. O mesmo já havia acontecido em abril deste ano, quando o STF começou a julgar o caso.
Antes da nova interrupção, dois ministros haviam votado. Dias Toffoli e Cristiano Zanin concordaram que pedidos de quebra de sigilo sem autorização judicial devem se limitar a dados cadastrais, mas sugeriram teses diferentes para definir o julgamento.
Contexto
A ação foi movida pela Associação Nacional das Operadoras Celulares (Acel) contra o parágrafo 2º do artigo 2º da Lei 12.830/2013. O trecho diz que, durante investigações criminais, o delegado de polícia tem a função de requisitar “perícia, informações, documentos e dados que interessem à apuração dos fatos”.
Com isso, a análise, iniciada naquele mesmo dia, voltou a ser suspensa. O mesmo já havia acontecido em abril deste ano, quando o STF começou a julgar o caso.
Antes da nova interrupção, dois ministros haviam votado. Dias Toffoli e Cristiano Zanin concordaram que pedidos de quebra de sigilo sem autorização judicial devem se limitar a dados cadastrais, mas sugeriram teses diferentes para definir o julgamento.
A entidade argumentou que a regra permite a quebra de sigilo de quaisquer dados, informações ou documentos relativos a comunicações telefônicas sem autorização judicial. De acordo com a Acel, isso viola o sigilo das comunicações e os direitos fundamentais à privacidade e à intimidade.
Segundo a autora, as operadoras de telefonia móvel receberam uma quantidade enorme de requisições do tipo depois que a lei entrou em vigor. Além disso, quando se recusam a cumprir as intimações, tais empresas ficam sujeitas a responder por crime de desobediência.
O julgamento não diz respeito a comunicações em tempo real, cuja interceptação sem autorização judicial já é proibida. A análise é sobre ordens de fornecimento de informações, dados ou documentos registrados e armazenados.
Voto do relator
Para Toffoli, relator do caso, a regra deve estabelecer que os pedidos de quebra de sigilo sem autorização judicial precisam se limitar a dados cadastrais.
A tese de Toffoli diz que o poder de requisição previsto na norma questionada não dispensa a autorização judicial nas hipóteses garantidas pela Constituição e pela legislação.
Segundo o relator, os delegados podem pedir diretamente às concessionárias de telefonia somente dados como nome completo, filiação e endereço do titular da linha. Assim, a autorização judicial é exigida para uma série de medidas:
- Interceptações de voz
- Interceptações telemáticas
- Extratos de chamadas ou registros telefônicos
- Localizações de terminais ou identificação internacional de equipamento móvel (Imei) de cidadãos em tempo real
- Extratos de antena de celular (para mapear a área onde se encontra o indivíduo)
- Extratos de mensagens de texto
- Serviços de agenda virtual
- Registros de conexão e acesso à internet a partir de determinada linha
- Conteúdos de comunicações privadas armazenadas
- Dados cadastrais de e-mail
- Dados de usuários que usaram um protocolo de internet (IP) em determinado dia, data, hora e fuso
O voto de Toffoli também traz exceções já previstas no Código de Processo Penal desde 2016: a requisição sem autorização judicial pode ocorrer em casos de sequestro, cárcere privado, redução a condição análoga à de escravo, tráfico de pessoas, extorsão mediante restrição da liberdade, extorsão mediante sequestro e envio ilegal de menor ao exterior. Mesmo assim, isso só vale para dados de localização de terminal ou Imei em tempo real e extratos de antena de celular.
“Não se pode admitir que o delegado de polícia tenha acesso irrestrito, ilimitado e/ou independentemente de prévia autorização judicial a toda e qualquer espécie de dados, sob pena de se franquear a essa autoridade acesso indiscriminado a dados sigilosos, ou a dados que, mesmo não revestidos desse atributo, devam gozar de uma proteção jurídica especial”, justificou Toffoli.
O entendimento do relator se baseou principalmente na jurisprudência do STF, que já condiciona a obtenção de boa parte desses dados a uma ordem judicial específica.
Toffoli ainda lembrou que, desde a Emenda Constitucional 115/2022, a proteção dos dados pessoais é considerada um direito fundamental autônomo.
Para além das situações já analisadas pela Corte, o magistrado estendeu a “inviolabilidade do sigilo das comunicações telefônicas e telemáticas” aos extratos de mensagens de texto e serviços de agenda virtual, por exemplo.
“Não é crível que a Constituição de 1988 tenha estabelecido a inviolabilidade da correspondência ou das comunicações telefônicas e do fluxo de dados informáticos e telemáticos e não resguarde, por exemplo, o sigilo de dados transmitidos por outros meios tecnológicos similares — ou neles armazenados”, pontuou o ministro.
“Embora esses recursos ou serviços não existissem à época da promulgação da Constituição de 1988, eles parecem se amoldar perfeitamente às expressões mais abertas de que o Poder Constituinte originário se valeu no texto de 1988”, completou.
Por fim, Toffoli ressaltou que suas conclusões também se aplicam às requisições feitas pelo Ministério Público. Isso porque, como já decidido pelo Supremo, a atividade de investigação criminal não é exclusiva da polícia.
Tese alternativa
Zanin concordou que delegados atualmente podem requisitar apenas o acesso direto a dados cadastrais básicos como qualificação pessoal, filiação e endereço. Mas ele considerou que a melhor solução não era listar as medidas possíveis, já que podem surgir novas hipóteses a partir de novas leis.
Por essa razão, o ministro propôs uma tese alternativa, segundo a qual o poder de requisição se limita a dados, informações e documentos que representem uma intervenção baixa na privacidade das pessoas.
Na visão de Zanin, “cláusulas gerais de autorização”, como a da lei de 2013, “não são suficientes para legitimar intervenções de média ou grave intensidade no direito fundamental à autodeterminação informacional, mas permitem legitimar intervenções de baixa intensidade, que atingem o âmbito mais superficial da esfera do direito”.
Assim, não é possível requisitar, sem ordem judicial, o acesso a extratos de chamadas e registros telefônicos ou extratos de mensagens, que contêm informações como destinatário, data, horário, duração das chamadas etc. Dados de localização do usuário também estão excluídos do poder de requisição.
A ideia é que o acesso a esses tipos de dados representa uma intervenção intermediária ou grave no direito à privacidade do cidadão.
Embora tais dados não revelem o conteúdo das ligações ou mensagens, eles permitem traçar perfis comportamentais: com quem a pessoa se comunica, com qual frequência, a intensidade das relações com seus interlocutores, redes de contato físico, rotinas diárias etc.
De acordo com o magistrado, o mesmo vale para registros de conexão e de acesso a aplicações de internet, dados de IP ou dados cadastrais vinculados a um endereço de e-mail.
Por outro lado, são válidas as exceções a essa regra quando houver autorização legal “excepcional e proporcional” para acesso direto a esses dados.
Segundo o ministro, o acesso a dados cadastrais básicos como qualificação pessoal, filiação e endereço é garantido pelo CPP, pela Lei de Lavagem de Capitais e pela Lei de Organizações Criminosas.
No caso dos dados cadastrais básicos, a intervenção no direito à privacidade é considerada de baixa intensidade. Isso porque eles não são sensíveis, ou seja, não revelam hábitos ou preferências do indivíduo, sua origem racial ou étnica, sua convicção religiosa, suas opiniões políticas, sua saúde etc.
Por Conjur
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