O desabafo de um delegado da Polícia Federal de que outras lideranças políticas, além do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), deveriam ser presas, trouxe de volta à entidade um sentimento de inconformismo com os políticos que há pelo menos quatro anos estava adormecido. Por meio de sua conta no Facebook, o delegado Milton Fornazari Júnior afirmou que era a “hora de serem investigados, processados e presos os outros líderes de viés ideológico diverso, que se beneficiaram dos mesmos esquemas ilícitos que sempre existiram no Brasil (Temer, Alckmin, Aécio etc)”.
O posicionamento de Fornazari foi prontamente respondido pela direção geral da instituição, que anunciou que o delegado não era o seu porta-voz, abriu um procedimento administrativo contra ele e tentou amenizar a importância dessa discussão. Diz um trecho da nota oficial: “A PF reitera seu compromisso, como polícia republicana, de trabalhar de forma isenta, discreta e apartidária, nos estritos limites da lei”.
Em 2014, em meio à disputa eleitoral, a cúpula da PF que atuava no início da operação Lava Jato, promoveu debates por meio de grupos fechados no Facebook nos quais defendiam a candidatura de Aécio Neves (PSDB), criticavam as gestões petistas e, ao menos um delegado, chamou Lula de “anta”. Na ocasião, o caso foi relatado pelo jornal O Estado de S. Paulo e envolveu delegados como Igor Romário de Paula, Erica Marena, Maurício Grillo e Márcio Anselmo. Nenhum daqueles policiais foi punido. Pelo contrário, a maioria continuou trabalhando na operação, os que de lá saíram acabaram sendo promovidos e serviram de inspiração para os autores do filme “Polícia Federal – A lei é para todos”, lançado em 2017.
“Essa politização da Lava Jato estava adormecida. Agora, reapareceu. Temos de tomar cuidado para nos mantermos isentos”, analisou o presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef), Luís Boudens. Conforme o dirigente, a preocupação de seus colegas é que, em alguns casos, o resultado da investigação, com o julgamento e a eventual punição dos políticos autores de determinados crimes não têm sido alcançado, como ocorreu com o ex-presidente Lula. “Policiais que trabalharam em várias operações querem ver o resultado reconhecido, não é por visão partidária, mas pelo trabalho”, afirmou.
Três policiais federais ouvidos pela reportagem relataram que, apesar do crescimento das críticas externas e internas, a tendência é que Rogério Galloro, o diretor-geral que está no cargo há pouco mais de um mês, evite qualquer tipo de vinculação político-partidária. Está escaldado após seu antecessor, Fernando Segovia, ter a imagem vinculada ao presidente Michel Temer (MDB). Até por isso será célere em abrir processos administrativos contra policiais que usarem do cargo para fazerem cobranças de quaisquer apurações envolvendo figurões da política brasileira.
Um dos problemas na cobrança desses policiais pela rápida punição do alto escalão da política nacional estaria no fato de a maioria dos investigados possuir foro privilegiado. É o caso de figuras como o presidente Temer ou o senador Aécio Neves (PSDB-MG), ambos investigados em inquéritos policiais. Casos como esses – e de outras centenas de deputados e senadores – dependem do andamento dos processos no Supremo Tribunal Federal, onde a tramitação costuma ser mais demorada do que nas instâncias inferiores. Apenas um exemplo, a condenação do deputado federal Paulo Maluf (PP-SP), no ano passado, só ocorreu duas décadas após a apresentação da denúncia contra ele.
Foro como barreira
O foro privilegiado tem sido algo em que os políticos se prendem para tentar se livrar de condenações. Há um sentimento de que após Lula, haverá uma enxurrada de prisões de políticos. Um parlamentar relatou dessa maneira a situação para os investigados: “Sem foro, é Moro”. Era uma referência ao juiz Sergio Moro, da Lava Jato. O relato foi feito à jornalista Andreia Sadi, que publicou a informação em seu blog no portal G1. Nesta semana, o advogado José Yunes e o coronel aposentado João Baptista de Lima Filho, amigos próximos do presidente Temer, se tornaram réus no inquérito do Quadrilhão do PMDB, acusados de integrar esquema de arrecadação de propina do partido.
Nesse mesmo inquérito foram denunciados Temer, os ministros Eliseu Padilha e Moreira Franco. Os três, entretanto, se beneficiam do foro privilegiado para não ser investigados.
Hoje, conforme levantamento do Ministério Público Federal, quase 900 pessoas possuem a prerrogativa de foro e só podem ser julgadas pelo STF. Nesta contagem estão, o presidente e vice-presidente da República, deputados federais e senadores, ministros de Estado, comandantes de forças armadas, ministros de tribunais superiores e a procuradora-geral da República.
O primeiro teste para saber se a onda punitiva para políticos de diversos matizes será o que envolve Eduardo Azeredo (PSDB), ex-governador e ex-deputado por Minas Gerais. Os crimes cometidos por ele, conforme a denúncia, ficaram conhecidos como mensalão mineiro e ocorreram no ano de 1999. A denúncia ocorreu em 2007. No próximo dia 24, o Tribunal de Justiça mineiro julgará seu último recurso. A demora em seu julgamento aconteceu, principalmente, por uma manobra em que ele renunciou ao cargo de congressista para que o processo mudasse de instância e, consecutivamente, levasse mais tempo para ser concluído.
O outro teste para saber se a onda de punição a políticos será efetivada ocorrerá caso o Supremo Tribunal Federal conclua nas próximas semanas o julgamento de uma ação que pede a revisão da prerrogativa de foro. No processo, que começou a ser julgado em novembro passado, mas foi interrompido, os ministros decidirão se haverá uma limitação do foro privilegiado de deputados e senadores.
Até agora, 7 dos 11 ministros já votaram a favor dessa restrição. Eles entenderam que os casos envolvendo parlamentares federais só poderiam tramitar no Supremo caso o crime tivesse sido cometido durante o mandato. Se esse julgamento for concluído, permaneceriam na Corte apenas 10% dos 531 inquéritos e ações penais que hoje tramitam nesta instância. Os demais casos, seriam enviados para o primeiro grau. No fim do mês passado, o ministro Dias Toffoli liberou o processo para julgamento. No entanto, ainda não há data prevista para que ele entre na pauta do Supremo.
Fonte: El País Brasil