Privatização em xeque: Fraude milionária assombra complexo de Ribeirão das Neves em MG

Vista de unidades prisionais de Ribeirão das Neves em foto oficial da concessionária GPA.

Apontado como “modelo” de gestão penitenciária pelos entusiastas da privatização do sistema prisional no Brasil, o Complexo de Ribeirão das Neves, na região metropolitana de Belo Horizonte (MG), recebeu um duro golpe em sua suposta “credibilidade administrativa” nas primeiras horas da manhã desta quinta-feira (16). Denúncias encaminhadas ao SIFUSPESP e à Promotoria de Justiça do Ministério Público Estadual de Minas Gerais apontam fraudes contratuais da ordem de R$ 100 milhões em obras, além de pelo menos R$200 milhões oriundos de superfaturamento, pagamento de propina e desvio de dinheiro público. Tudo fruto de um acordo escuso entre iniciativa privada e o Estado.

Uma operação da Polícia Civil de Minas Gerais realizada hoje na capital mineira, em Nova Lima, São Paulo, Jaguariúna e Barueri terminou com apreensão de computadores e documentos, entre outros materiais que podem comprovar as possíveis irregularidades. Empresários, o ex-secretário adjunto da Secretaria Estadual de Defesa Social, Robson Lucas da Silva, e uma auditora da Controladoria Geral do Estado (CGE), são alvo de uma investigação que apura crimes de peculato, fraude em licitação e organização criminosa na gestão do contrato para a execução da Parceria Público-Privada (PPP) que controla as unidades prisionais. O convênio para 25 anos de gestão é de R$ 2,1 bilhões.

Na semana passada, o SIFUSPESP havia recebido uma denúncia sobre a existência de possíveis fraudes nos termos aditivos de diversos aditivos de contratos envolvendo a concessionária GPA e o governo de Minas, que possuíam indícios de sobrepreço, alterações de marcos de entrega de obras e reequilíbrios orçamentários em favor da  empresa que administra o complexo, além do pagamento de propina a servidores públicos.

De acordo com essa denúncia, a CGE havia constatado essas irregularidades ao vistoriar aditivos contratuais em janeiro de 2015. Apesar de o órgão ter feito recomendações à Secretaria Estadual da Justiça e Defesa Social para que fosse feita a investigação, a pasta deu prosseguimento ao contrato, remunerando a GPA com sobrepreço em produtos que alcançaram a soma de R$ 42 milhões, além de R$ 122 milhões divididos em 96 parcelas como forma de garantir o reequilíbrio financeiro da empresa.

Esse reequilíbrio financeiro está previsto no contrato celebrado em 2009 entre o governo do Estado de Minas Gerais e a GPA. Ele prevê garantias financeiras à empresa enquanto durarem os 27 anos de convênio – prorrogáveis por mais cinco – como forma de manter a lucratividade do negócio. Essas garantias, no entanto, e o consequente reequilíbrio das finanças não poderiam acontecer tendo como causa a “falta de gestão dos recursos públicos”, aponta a denúncia.

A GPA venceu a licitação pública e investiu na época R$ 280 milhões no complexo de Ribeirão das Neves, que começou a operar em 2013 e está sujeito a uma lotação mínima de 90% das vagas. Quando o Estado não supre essa exigência de índice de ocupação das unidades prevista em contrato, a concessionária é compensada financeiramente.

Desses 27 anos de contrato, dois seriam utilizados para a realização de obras do complexo e 25 para a gestão da custódia dos sentenciados. Se esses prazos fossem desrespeitados, a GPA seria multada. Ocorre que a auditoria da CGE feita em 2015 demonstrou que esse prazo para finalização da parte arquitetônica da unidade foi prorrogado, o que resultou em mais custos para o Estado e alteração do cronograma sem no entanto render a aplicação de multas à empresa. Mas as recomendações feitas pela Controladoria foram ignoradas pela Secretaria Estadual de Defesa Social.

Acordão entre empresa e Estado escondeu irregularidades

A denúncia à qual o SIFUSPESP teve acesso mostra que, após os pagamentos das compensações financeiras à GPA terem sido interrompidos por ordem judicial, a concessionária obteve uma liminar a seu favor que permitiu a retomada dos pagamentos. Para blindar a empresa e o governo mineiro dos impactos das possíveis irregularidades apontadas pelo relatório da CGE, em dezembro de 2016 foi celebrado um acordo judicial entre a Advocacia-Geral do Estado (AGE) e a GPA para promover ajustes nos aditivos contratuais, mas o sobrepreço apontado no documento não foi alvo de investigação.

Robson Lucas da Silva, então secretário adjunto de Defesa Social do Estado quando da assinatura do acordo e um dos alvos da investigação desta quinta-feira, era sócio em um escritório ao lado dos advogados Hermano Moreira Pettersen e Wagner Santos Faria, que representaram a GPA na ação.

O acordo voltou a beneficiar a concessionária que, mesmo admitindo a irregularidade do sobrepreço, “ganhou” do governo do Estado o parcelamento da devolução do dinheiro. Foram 270 parcelas mensais de pouco mais de R$147 mil cada, ou seja, R$13,620 milhões para serem devolvidos em mais de 22 anos, apesar de haver claro indício de irregularidade.

Além desse parcelamento, foi também permitido à empresa que prorrogasse o prazo para o término das obras sem necessidade de indenização ao Estado. De acordo com a denúncia, os termos aditivos dos contratos que geraram prejuízo ao Estado permitiram mais tempo para a construção do complexo sem que a concessionária fosse punida.

Conforme define o contrato assinado ainda em 2009, cada mês de atraso na entrega das obras e estabelecimento de novos marcos dessas obras demandaria uma multa de R$ 1 milhão à GPA. As unidades deveriam ficar prontas em 2013, mas o prazo foi estendido até 2020, e sem multa pelo atraso.

Se fossem computados todos os valores devidos de acordo com esse convênio, a empresa estaria devendo o equivalente a R$ 100 milhões ao governo de Minas. Porém, o conluio entre o Estado e a concessionária permitiu prorrogações sem prazo definido, exemplificado pelas unidades 4 e 5, que sequer foram inauguradas.

Das cinco unidades previstas no convênio inicialmente, somente três foram construídas e entraram em operação, ao custo de R$ 400 milhões para os cofres públicos, o dobro do previsto para todo o complexo. Isso aponta possível desvio de R$ 200 milhões, sendo 20% desse valor, ou R$ 40 milhões, somente com superfaturamento de obras e serviços, conforme apontado também no relatório da Controladoria.

Conflito de interesses entre público e privado, conluio envolve corrupção

De acordo com todas as informações disponíveis na denúncia encaminhada ao SIFUSPESP sobre as irregularidades nos aditivos contratuais, o conflito de interesses entre público e privado é notório, e ratifica o que integrantes da FENASPPEN em Minas Gerais vem apontando desde que o convênio foi celebrado, em 2009.

Durante audiência pública contra a privatização realizada em julho do ano passado em São Paulo, o diretor da FENASPPEN em Minas, Adeilton Rocha apontou que a porta da corrupção já fora aberta pela GPA quando ela passou a fazer acordos com os detentos para evitar que o Estado entrasse nas unidades e gerasse multas previstas no contrato.

“Acontecem frequentemente tentativas de entrada e apreensões de celulares, drogas e outros objetos ilícitos, princípios de rebelião, fugas – já foram três desde 2013 –, e qualquer uma dessas alterações na rotina do complexo gera multas caso o Estado precise agir. Nós enquanto sindicato sempre fizemos estas denúncias. Mas para evitar as punições, a empresa faz acordos com os presos, e isso abre a porta para a corrupção, que é o que o capital faz toda vez que assume responsabilidade na segurança pública”, apontou na ocasião.

Além desses casos, Rocha também afirma que o sistema privatizado em Minas Gerais é discriminatório para com as periculosidades dos sentenciados com o único objetivo de beneficiar a empresa. “Em contrato, está previsto que presos ligados a facções criminosas, condenados por crimes violentos, membros de quadrilhas de assalto a banco e narcotraficantes não são bem vindos. Todos eles vão para o sistema público. E por que? Porque a GPA não quer confusão lá dentro, não quer motim, não quer problema, porque problema é sinônimo de prejuízo, e de multa do Estado, então o Estado assume com suas unidades públicas a execução penal de todos esses criminosos”, mencionou.

Sem contar os desvios, superfaturamentos, propinas e rombos nos cofres públicos investigados pela Polícia Civil de Minas Gerais e apontados na denúncia recebida pelo SIFUSPESP, o custo mensal por preso no Complexo de Ribeirão das Neves é de R$ 3.750, mais que o dobro do valor pago pelo Estado para sustentar a permanência dos detentos no sistema prisional público de São Paulo, que é de R$1.672. Os dados foram fornecidos pela Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) e pela Secretaria de Estado de Administração Prisional (SEAP) de Minas Gerais ao jornal Folha de São Paulo, em matéria publicada em 2 de agosto de 2018.

 

Fonte: Sifuspesp

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