Presídio de Ribeirão das Neves/MG: A “vitrine” ilusória das PPP’s

Presos trabalhando

O primeiro presídio do País feito por meio de uma Parceria Público-Privada (PPP) não impede que presos fujam, registra denúncias de violações aos direitos humanos e levanta debates acalorados sobre a mercantilização do sistema penitenciário para garantir lucro às empresas. É o que mostra um documentário da Agência Pública sobre a penitenciária de Ribeirão das Neves, em Minas Gerais, idealizada em 2009 pelo então governador Aécio Neves (PSDB) para servir de modelo nacional e, eventualmente, plataforma eleitoral.

Interior do Presídio

A obra do complexo penitenciário foi concluída durante a gestão de Antonio Anastasia, correligionário e sucessor de Aécio. O plano é ter cinco pavilhões funcionando a todo vapor, mas em 2014, um ano após a inauguração, a maioria ainda não estava em operação.

A Agência Pública teve acesso restrito ao local para uma reportagem em vídeo, em 2014, reproduzido pelo GGN. Nela, a primeira experiência de penitenciária PPP – que já inspirou projetos semelhantes Rio Grande do Sul, Pernambuco, Distrito Federal e São Paulo – deixa transparecer, na fala de dirigentes e especialistas em segurança pública, os problemas de um sistema privado.

Durante a passagem pela penitenciária, a reportagem da Pública colheu relatos de humilhação de familiares de presos nas revistas feitas minutos antes das visitas, queixas de detentos que já cumpriram toda a pena e ainda assim não foram soltos, além de regras do cotidiano questionadas pela massa carcerária, como a obrigatoriedade de tomar banho em até três minutos, e corte de água durante o dia. Além disso, o sistema não impediu que o mesmo detento fugisse duas vezes.

Assistência Jurídica

Outro problema levantado está no uso e precarização da mão de obra dos detentos. A ideia é que todos os presos estudem e trabalhem, mas sem nenhum contrato e custando menos da metade dos custos que um assalariado CLT custaria. A lei, aliás, permite que eles recebam até três quartos de salário mínimo, e em alguns casos, parte desses recursos podem ser investidos nas melhorias do próprio presídio.Um dos pontos que a penitenciária se orgulha de ter implementado, mas foi questionado por um defensor público, é o fato de até a assistência jurídica ser privatizada. Isto é, se um preso quiser denunciar uma tortura ou outro tipo de violação, terá de fazer isso ao advogado contratado pela empresa que administra a unidade penitenciária. “Tudo foi arquitetado de maneira muito perversa”, disse o defensor Patrick Cacicedo.

O TRABALHO E CRITÉRIOS PARA A SELEÇÃO DOS PRESOS

O trabalho geralmente é feito para a indústria da segurança pública – produção de equipamentos de vigilância e vestuário – e para o próprio Consórcio que ganhou a licitação para construir a penitenciária PPP. Pública aponta, inclusive, que nomes do chamado Consórcio GPA estão ligado a escândalos de corrupção.

O resultado de um modelo que quer o preso como mão de obra obrigatória é que estupradores e traficantes não são aceitos, pois dificultam a sedução de contratantes. Outro fator que faz a gestão da penitenciária ser seletiva está relacionada ao seu próprio lucro: o Estado pode suspender parte dos pagamentos se houver rebelião ou qualquer outro incidente que demonstre a fragilidade da segurança interna. E como estupradores e traficantes são considerados presos de difícil ressocialização, o governo de Minas decidiu impedí-los de entrar na penitenciária PPP para não “atrapalhar o projeto”. 

NA INICIATIVA PRIVADA O PRESO CUSTA BEM MAIS PARA O ESTADO

Segundo a reportagem, o Estado pagava, em 2014, cerca de R$ 2,7 mil por mês por cada preso do sistema PPP. No sistema público, o preso custava a mensalidade de até R$ 1,7 mil – o que faz o argumento de que a PPP é mais vantajosa para o Estado ser colocado em xeque. Por contrato, o governo mineiro ainda se comprometeu a garantir 90% de preenchimento de vagas.

QUANTO MAIS PRESO, MAIS LUCRO

Ao contrário da terceirização de presídios, que mantém a chave da cadeia com o poder público, mas obriga o Estado a fiscalizar a empresa gestora, na PPP, a fiscalização é reduzida. Isso fez com que o governo mineiro fosse condenado pela Justiça do Trabalho em 2014, porque a penitenciária de Ribeirão das Neves fez contratações indevidas.

Certo é que o tema privatização de presídios é polêmico. Previsto na Agência Brasil do PMDB antes mesmo do impeachment, a ideia recebe críticas porque não rompe com a lógica da “política criminal de encarceramento em massa”. Pelo contrário. A lógica é: usar a superlotação nas unidades públicas para justificar a privatização e, uma vez privatizado, o sistema vai querer garantir cada vez mais presos para garantir lucros.

O presídio de Manaus, o Compaj, onde ocorreu o maior massacre desde Carandiru, é terceirazado, a exemplo de pelo menos outros 22 presídios em várias cidades de sete estados: Santa Catarina, Minas Gerais, Espírito Santo, Tocantins, Bahia, Alagoas e Amazonas.

Bruno Shimizu e Patrick Lemos Cacicedo, coordenadores do Núcleo de Situação Carcerária da Defensoria Pública de São Paulo questionam a legalidade do modelo. Para Bruno “do ponto de vista da Constituição Federal, a privatização das penitenciárias é um excrescência”, totalmente inconstitucional, afirma, já que o poder punitivo do Estado não é delegável. “Acontece que o que tem impulsionado isso é um argumento político e muito bem construído. Primeiro se sucateou o sistema penitenciário durante muito tempo, como foi feito durante todo um período de privatizações, (…) para que então se atingisse uma argumentação que justificasse que esses serviços fossem entregues à iniciativa privada”, completa.

Laurindo Minhoto, professor de sociologia na USP e autor de Privatização de presídios e criminalidade, afirma que o Estado está delegando sua função mais primitiva, seu poder punitivo e o monopólio da violência. O Estado, sucateado e sobretudo saturado, assume sua ineficiência e transfere sua função mais básica para empresas que podem realizar o serviço de forma mais “prática”. E essa forma se dá através da obtenção de lucro.

Nesta reportagem ele fala sobre a Penitenciária de Ribeirão das Neves. “O estado se compromete em manter a unidade prisional em mais de 90% cheia para garantir o repasse do Estado”.







 

 

 

Fonte: Via Blog Fabiola agente

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