Um membro do PCC (Primeiro Comando da Capital) ameaçou de morte no último domingo (16) agentes penitenciários durante uma discussão no interior de um presídio federal. Três dias depois, a PF (Polícia Federal) deu início a uma operação para desarticular um grupo que planejava assassinatos de servidores a mando da maior facção criminosa do país.
“Aqui é PCC, vocês não são nada! Lá fora a gente resolve!”, afirmou o detento, de acordo com um documento da penitenciária chamado “relato de ocorrência”, a cujo conteúdo o UOL teve acesso exclusivo. “Lá na rua vocês não são nada, a gente manda matar todos vocês! A gente sabe o endereço de onde ´ceis´ moram, seus filhos da puta!”
Por questões de segurança, não será revelado o nome do preso nem a unidade prisional onde aconteceu a discussão.
Desde setembro de 2016, três servidores do sistema penitenciário federal foram mortos a tiros em ações do PCC, que tem objetivo de “intimidar e desestabilizar” os funcionários públicos que trabalham nos quatro presídios federais do país: Campo Grande (MS), Catanduvas (PR), Mossoró (RN) e Porto Velho (RO).
De acordo com parecer do MPF (Ministério Público Federal), o regime aplicado nestas penitenciárias é considerado “opressor” pelo PCC, pois os agentes costumam barrar o acesso dos presos dessas unidades a “regalias ilícitas”, como a posse de telefones celulares dentro das celas.
De acordo com o documento, o preso já demonstrava sinais de “irritabilidade e nervosismo” ao sair de sua cela no domingo.
Um agente ordenou, por duas vezes, que o preso abaixasse a cabeça. A ordem foi desobedecida e o presidiário andou de sua cela até ao portão do banho de sol. “Eu não abaixo a cabeça pra ninguém, nem pro Satanás! Aqui é PCC!”, gritou o membro da facção.
Dos 570 presos que estão detidos atualmente, exatos 161 são membros do PCC, segundo dados do Depen (Departamento Penitenciário Nacional), órgão do Ministério da Justiça e da Segurança Pública. Fundado em 31 de agosto de 1993, no anexo da Casa de Custódia de Taubaté — distante 130 km de São Paulo–, o PCC possui o maior percentual (28.2%) de detentos no sistema penitenciário federal, entre 25 facções criminosas do país.
Após proferir as primeiras ameaças, o preso partiu para cima dos agentes, que usaram gás de pimenta para contê-lo: “Neste momento, mediante a ameaça e postura agressiva do interno — que, por possuir físico avantajado e grande estatura, foi necessário fazer uso do espargidor de gás para conter o seu ânimo, visto que se deslocava na direção dos agentes com intuito de injusta agressão”, lê-se no documento da penitenciária.
Algemado, o preso foi levado de novo para sua cela e começou gritar novas ameaças: “Lá fora é diferente! Não vai ficar barato! Seus filhos da puta! Aqui é PCC, caralho!”.
Relatam ainda os agentes: “Ao estar dentro da cela, ele começa a berrar com a ala toda, tentando incitar a massa carcerária a seu favor. Começa a chutar as portas de ferro, de modo com que obtenha atenção, onde foi demonstrado (sic) que seria utilizado o gás caso ele continuasse e não contivesse seu ânimo ameaçador”.
As ameaças exaltaram os ânimos de outros presos, que começaram também a chutar as portas de suas celas e xingaram os agentes. A reportagem enviou e-mail à assessoria de imprensa do Depen para dizer quais medidas foram tomadas a respeito do caso, mas não obteve resposta até o presente momento.
“Este tipo de ameaça tem sido uma constante durante nossos turnos”, afirmou um agente, sob a condição de anonimato.
Este preso tem ao menos uma condenação por tráfico de cocaína, crime pelo qual foi preso em 2002 na cidade de Fortaleza, quando ele tinha 18 anos de idade, apurou o UOL. Ele foi transferido em 2015 de um presídio estadual do Ceará para o sistema penitenciário federal.
Operação Força e União
Desde o começo da manhã desta quarta-feira (19), cerca de 30 policiais federais estão cumprindo oito mandados de busca e apreensão: quatro no Rio de Janeiro, quatro em São Paulo, um mandado de condução coercitiva no Rio de Janeiro, além de cinco mandados de prisão preventiva, sendo um em Mossoró (RN) e quatro em São Paulo. Coordenada pela equipe da Polícia Federal no Rio Grande do Norte, a operação foi batizada de “Força e União”.
Desde setembro de 2016, três servidores do sistema prisional foram mortos a tiros em ações da maior facção criminosa do país:
Em 2 de setembro de 2016, o agente do presídio federal de Catanduvas (PR) Alex Belarmino Almeida Silva morreu ao ser atingido por 23 tiros na cidade de Cascavel (PR);
Em 14 de abril deste ano, o agente do presídio federal de Mossoró (RN) Henry Charles Gama Filho foi assassinado a tiros num bar da cidade;
Em 25 de maio deste ano, a psicóloga Melissa de Almeida Araújo, da prisão de Catanduvas (PR), foi morta quando chegava em casa na cidade de Cascavel (PR).
A operação se concentra no assassinato de Henry Charles, mas busca informações sobre as outras duas mortes.
A respeito da morte de Alex Belarmino, já tramita uma ação penal na 4ª Vara Federal de Cascavel (PR), onde são acusadas 15 pessoas pelos crimes de homicídio qualificado e formação de organização criminosa. Procuradores da República responsáveis pela denúncia chegaram a discutir a possibilidade de acusá-los também com base na Lei de Antiterrorismo 13.260/2016.
O UOL revelou que durante o planejamento do assassinato de Belarmino, o PCC alugou uma casa vizinha ao agente para executar o plano de assassiná-lo.
“No decorrer da investigação do homicídio de um dos agentes, foi descoberto que a facção tinha planos de executar dois agentes públicos por unidade prisional”, afirma a PF, em nota enviada à imprensa.
Já em relação ao agente Henry Charles, “as investigações apontaram que sua morte havia sido planejada há dois anos na cidade de São Paulo e teve início através de integrantes do PCC envolvidos na coleta de dados, preparo da ação e com participação de pessoas próximas da vítima”.
As investigações da PF “demonstraram, também, que não há pessoalidade nas ações do PCC, que escolhe seus alvos em razão das informações e de uma maior vulnerabilidade com o fim de se executar um plano preciso e sem deixar indícios de autoria”.
Responsável pela investigação do homicídio da psicóloga Melissa Almeida de Araújo, o delegado federal em Cascavel Marco Smith já afirmou publicamente que há indícios de participação de membros do PCC no assassinato.
Soriano, o Tiriça
A PF descobriu, durante a investigação da morte de Alex Belarmino, que a ordem para o assassinato foi dada pelo então detento de Catanduvas Roberto Soriano, conhecido no mundo do crime, entre outros apelidos, por “Tiriça”.
Ele é membro da “sintonia final geral”, nome dado à cúpula do PCC, formada por oito pessoas, sob a liderança de Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola –o chefe maior do PCC cumpre pena no presídio de segurança máxima de Presidente Bernardes (SP), administrado pelo governo de São Paulo.
“Roberto Soriano é o integrante de maior hierarquia da organização criminosa PCC envolvido no caso e se encontra recolhido no Sistema Penitenciário Federal, tendo funcionado como mandante do crime”, lê-se na denúncia do MPF.
As investigações apontam que Tiriça se utilizou de visitas íntimas a outros presos para repassar suas ordens a membros do PCC.
Após a morte de Belarmino, Tiriça foi transferido para o presídio de Porto Velho (RO), onde chegou a ameaçar um dos agentes, durante uma discussão no horário de almoço. “Se me tratarem bem, eu trato bem, se me tratarem mal, também vou tratar mal”, disse Tiriça.
Tiriça foi colocado no RDD (Regime Disciplinar Diferenciado), a mais rigorosa sanção aplicada dentro das penitenciárias.
Suspensão das visitas íntimas
Após a morte de Melissa, o diretor do Depen (Departamento Penitenciário Nacional), Marco Antônio Severo, assinou portaria que determina a suspensão temporária das visitas íntimas e sociais nos quatro presídios federais do Brasil.
Os presos, em sua maioria membros de 25 facções criminosas do país, só poderão receber visitas feitas por videoconferência e por parlatório, onde não há contato físico. A medida vale até o dia 28 de julho.
Fonte: UOL